Uma volta pelo Shopping

 

Uma volta pelo Shopping

Chegou a hora dele se chegar à frente, o momento em que o rapaz com 2 pelos no peito dá um passo em frente e pede com voz grossa um whisky duplo, ao balcão do bar! Treinara isto vezes sem conta, para enfrentar o momento com confiança e firmeza. Na verdade, o jovem não aparenta ser maior de idade, embora tenha cabelos no peito. Não aparenta também maturidade, embora tenha voz grossa. O seu desejo de querer ser ‘grande’, é enorme, e o receio de falhar o momento, é ‘gigante’. A sua audácia podia-lhe ter saído cara, pois foi quando foi surpreendido pela pergunta do barman “-Simples ou com gelo?”, que ele percebeu que podia efetivamente não estar preparado para o que lá vinha.

Por um lado, eu sentia a necessidade de ter de provar a mim mesmo que seria capaz de avançar neste projeto, principalmente depois de todos os acontecimentos a que me sujeitei na tentativa de ter a mota reparada. Por outro lado, estava muito dinheiro em jogo com tudo o que teria de comprar para o concluir. Pela frente, um enorme ponto de interrogação quanto ao sucesso e às minhas capacidades, pois no limite arriscava-me a gastar o dinheiro e a ficar com a ‘sucata’ e com os componentes entretanto comprados sem os conseguir utilizar. Esta insegurança ganha outra proporção, quando imaginamos os nossos €uros a voarem da nossa conta para alguém do outro lado do mundo que nós não conhecemos. Como já o disse num outro post lá atrás: “Sempre fui muito ponderado e a decisão de avançar, ou melhor, a decisão de arriscar, constituiu uma vitória sobre o ‘eu’ mais conservador “.

A escolha dos componentes principais – controlador, motor, conversor DC/DC e carregador – tiveram desde o início uma preferência pessoal pela marca chinesa Kelly Controls. Primeiro, eu conhecia motas que utilizavam componentes desta marca, nomeadamente as motas comercializadas pela SW Energy. Podia assim, caso necessário, partilhar também com amigos ligados a esta marca, algumas dúvidas ou obter alguns conselhos. Segundo, porque ao comprar tudo no mesmo sítio, minimizava o risco de trabalhar com componentes de alguma forma incompatíveis. Conseguia, adicionalmente, ter um ponto único de contacto onde podia pedir ajuda sem correr o risco de ser encaminhado de fabricante em fabricante.

Powered by Kelly

A empresa chinesa Kelly Controls (http://www.kellycontroller.com/) estava no mercado desde 2007, com escritórios quer na China quer nos EUA (Califórnia), ostentava orgulhosamente certificados de qualidade no seu site, os seus endereços de e-mail funcionavam e eu obtinha respostas às minhas perguntas em menos de 24h, permitiam o pagamento por PayPal (entre outros), praticavam a política de 30 dias Money Back Guarantee… enfim, isto tudo reunido fez-me acreditar que não seria totalmente arriscado avançar com a compra a esta empresa.

“Ainda assim, porquê uma marca chinesa?” …porque não é fácil encontrar na Europa este tipo de componentes e se os encontrarmos ou são caros ou… adivinhem? Vieram da china pois está claro, e como eu não tenho NADA contra este mercado asiático que me deixe de olhos em bico, decidi avançar. Normalmente associamos os produtos chineses a produtos de fraca qualidade e muitas vezes clonados de produtos, supostamente, muito superiores. Em boa regra é verdade e em boa exceção parte é mentira. O mercado asiático é tão grande que há efetivamente lugar para tudo, até para a produção dos produtos de marcas europeias, sim, aqueles produtos que associamos a marcas premium, de confiança e grande prestígio. Não há rigorosamente NADA que não se encontre naquele mercado e se por ventura houver, então basta dizê-lo a um chinês que no dia a seguir temos esse produto a ser fabricado para todo o mundo. Reconheço naquele povo esta capacidade. Foram eles que me mostraram há 7 anos! (sete anos, amigos…) o que era a mobilidade elétrica e me deram o prazer (e algumas dores de cabeça também) de ter sido pioneiro. Aliás, ainda hoje me sinto pioneiro mas isso não é por culpa do chinês, é por pura hipocrisia dos construtores ditos tradicionais que tardam em ir a jogo neste mercado. Foram eles, os chineses, que a preço acessível e com a qualidade possível, tornaram estes veículos elétricos de duas rodas uma realidade. Práticos e objetivos, não almejam alcançar o melhor dos acabamentos nos seus produtos, nem entretêm engenheiros com a missão de falsear os resultados dos últimos testes de emissões. Em vez disso, limitam-se a lançar produtos para o povo, porque as pessoas “comuns” os pedem. Arrisco-me a dizer que, tirando os pneus italianos que montam a Morcega, tudo o resto é 蝙蝠. Mentira! O condutor e respetiva pendura não são!

Falando agora da compra propriamente dita. A encomenda foi realizada no site da Kelly, do mesmo modo como se compra na Amazon uns óculos com limpa pára-brisas para usar nos dias chuvosos, ou seja, metem-se os artigos no carrinho de compras e siga para checkout. O pagamento foi efetuado via PayPal. Seguiram-se umas trocas de e-mail a confirmar alguns detalhes (bastante relevantes por sinal), tais como por exemplo a tensão da rede (110V ou 230V) onde o carregador iria ser ligado ou ainda a especificação da bateria a carregar para efeitos de programação do próprio carregador. Tudo isto num inglês compatível com a minha experiência, que é como quem diz, ‘esforçado’. Fui seguindo o tracking da encomenda e um dia sou notificado pelos serviços alfandegários para fazer a chamada ‘prova de compra’. Enviei de volta a fatura que a Kelly me tinha disponibilizado, juntamente com o comprovativo PayPal e os serviços aduaneiros calcularam-me a dolorosa. Basicamente, calcularam o valor correspondente ao IVA mais uma ou duas ‘pauladas’ que nem se sabe bem de onde vêm, só para garantir que quem manda neste processo é o estado português e não o chinês. Impostos pagos, sou mais tarde contactado pela transportadora que mediou o desalfandegamento para a combinar a entrega.

Encomenda da Kelly Controls

Ansioso, é com um nervoso miudinho que assisto ao descarregar de 2 caixas no espaço que daí para a frente deixaria de chamar de garagem para chamar de oficina. Abri logo as caixas à frente de quem fizera o frete, só para ver que tinham lá dentro “cenas” e não gatos chineses a abanar a pata como que a dizer “já foste, já foste…”.

Esperei pelo fim-de-semana para ver o material com mais atenção e foi nessa altura que tive a primeira surpresa desagradável: o motor tinha a jante amolgada! Não reparara antes porque, era preciso tirá-lo da caixa para ver a jante do outro lado.

Jante/motor Kelly Controls, amolgada

E agora? Bom, agora poderia tentar recuperar a jante/motor numa casa de pneus mas para além de ser mais uma despesa, eu não tinha a garantia de que ficaria bem reparado, isto para além de também não saber se eventualmente o motor estaria ou não afetado. Decidi contactar o Fany (meu grande amigo da Kelly) e explicar-lhe a situação com fotos para ele perceber BEM. Enquanto ía tentando aparar os golpes da Kelly, justificando que seria impossível ter sido a transportadora a fazer aquele estrago uma vez que a caixa que estava intacta, fui-me informando do custo de devolução do motor para a china. O mais barato que conseguia rondava os 300€, o que deixava logo de parte essa possibilidade, pois seria eu a suportar os custos de envio. A Kelly não queria assumir a responsabilidade do problema e foi aí que me lembrei de abrir uma disputa no Paypal. Assim que o fiz, recebo um contacto da Kelly muito preocupados com a minha ação, fazendo-me uma proposta que consistia no envio de um novo motor, envio esse feito com seguro e por via aérea de forma a demorar o mínimo tempo possível, tudo isto com um custo bastante reduzido para mim. Davam-me a hipótese de ficar com o equipamento danificado e tudo isto com a única contrapartida de eu levantar a disputa Paypal assim que me facultassem o tracking number do envio da nova encomenda. Sem mais opções de negociação, aceitei o que até me pareceu ser um negócio razoável. Mais tarde, viria a conseguir vender a outra jante/motor. Sei que quem a comprou, a conseguiu reparar com sucesso e tem o motor a trabalhar, o que me deixou também bastante satisfeito. Moral da história, fui salvo pelo Paypal. Provavelmente o desfecho não teria sido o mesmo se o pagamento fosse realizado por outra via.

Moved by CALB

Faltava-me ainda a bateria. Também nesta matéria, eu sabia bem o que queria e sabia até onde a ir comprar. A química tinha de ser LiFePo4, por tudo o que já descrevi nos posts sobre esta matéria, contudo, estava indeciso entre as CALB CA60FI e as CALB CAM72FI. As ‘CAM’ eram uma evolução recente das ‘CA’ e uma das suas vantagens residia na maior densidade energética: 118Wh/Kg vs 96Wh/Kg. Como não há bela sem senão, o custo por Ampere disparava dos 1,48€ da CA para os 1,74€ das CAM, o que se traduzia em 89€ para uma CA60FI e 125€ para uma CAM72FI, fator que iria agravar significativamente o preço final do pack. É verdade que iria ganhar 20% em capacidade, uma vez que iria ter mais 12A num pack que, fruto da sua maior densidade conseguia ter as mesmas dimensões e um peso total final apenas superior em 1,150g, face a um pack com o mesmo número de células mas constituído pelas CA60FI.

A 16 de maio de 2014, Jack Rickard, que eu seguia atentamente, apresentava num dos seus vídeos semanais (https://www.youtube.com/watch?v=UCPjW57sr7w) um novo modelo das baterias CALB, as CAM72FI e resumia a coisa da seguinte forma: “smaller, lighter, and better”.

A 7 de novembro do mesmo ano, Jack fazia novo teste às CAM  (https://www.youtube.com/watch?v=pw3ABrbJn3k), desta feita submetendo-as a um carregamento rápido de 3C (ou 216A), o que deixava estas células carregadas em menos de 20 minutos! Provara assim também desta forma que estávamos perante excelentes baterias. Estes testes e estas opiniões só me tentavam. Eu fazia contas de cabeça, à mão, contava pelos dedos, ele era a dormir, acordado… mas como diz um grande amigo meu, “não há coincidências”, querem ver? Na semana que vou para encomendar as células, o Jack relata uns estranhos problemas com as ‘CAM’, o que ele apelidara de “cell mistery”, algo relacionado com o próprio isolamento da bateria. Ao contrário das ‘CA’ que possuem um isolamento em plástico, o isolamento das ‘CAM’ é mais fino e em metal. Esta situação foi identificada e descrita pelo Jack num outro vídeo (http://evtvindex.blogspot.pt/2014/12/december-5-2014.html a partir de 1h22m), aquando da ligação em série de um conjunto de células para formar uma bateria para mais uma das suas conversões. Mais tarde, o Jack soluciona este problema com um material isolante que coloca entre células adjacentes, impedindo assim o seu contacto físico. Se eu já estava inclinado para as CA60FI, depois disto, mais inclinado fiquei e foi por essas células que me decidi. Novamente: menos problemas, maior segurança, menor custo.

A aquisição da bateria teria de ser feita no velho continente, por questões relacionadas com o seu transporte. A regulamentação internacional aplicável ao transporte aéreo de baterias de lítio foi alterada a 01 de abril de 2016 e entre outras coisas, proíbe o transporte de baterias de iões de lítio ou lítio metálico em aeronaves de passageiros. Para mais detalhe sobre esta normativa, poderá consultar o site da IATA (International Air Transport Association), mais concretamente o seguinte link: http://www.iata.org/whatwedo/cargo/dgr/Pages/lithium-batteries.aspx.

Também no site da UPS podemos consultar a regulamentação internacional aplicável ao transporte aéreo de baterias de lítio, onde é descrito o motivo da proibição do transporte em aeronaves de passageiros, bem como os requisitos (de embalagem, etiquetas, documentação diversa, etc., até o próprio SOC (State of Charge) da bateria ou célula é regulamentado, referindo que este deve ser inferior a 30%) e circunstâncias em que ainda assim é possível efetuar o transporte destas baterias em aeronaves de carga –  https://www.ups.com/media/news/pt/br/intl_lithium_battery_regulations.pdf.

Jack Rickard mantinha abertos alguns canais com fornecedores chineses que usava para adquirir baterias para os seus projetos, disponibilizando-as também a todos os interessados através da loja do seu site (http://store.evtv.me/). No ano de 2015, Jack mantinha também relações estreitas com Anne Kloppenborg – New Electric (http://www.newelectric.nl/about/). Anne residia em Amsterdão e começou a participar nos vídeos semanais do Jack, inicialmente com projetos de conversão de barcos para circular nos canais holandeses. Mais tarde, Anne viria a mudar de instalações, aumentando o seu espaço de trabalho e dedicando-se também à conversão de automóveis. Jack e Anne tinham também um canal estabelecido (desta feita por via marítima), que era usado por ambos no envio de produtos da loja do Jack no estado do Missouri (EUA) para a europa. Para facilitar as transações, compensando também de certa  forma os custos da manutenção da ‘ponte marítima’, o câmbio Dólar-Euro era feito numa proporção de 1:1, ou seja um artigo do Jack que custasse $100, era vendido pelo Anne a 100€. Uma vez na posse de Anne, os artigos eram distribuídos no velho continente por via terrestre, escusando-se assim às apertadas restrições do transporte aéreo.

Está-se mesmo a ver onde é que eu fui comprar as minhas Calb, certo? Exatamente, comprei-as na Holanda, ao Anne que por sua vez as adquiriu ao Jack no Missouri (EUA) que se abasteceu na China, sabe-se lá onde. E foi assim que um belo dia, uma conhecida transportadora bate ao portão da minha garagem (perdão, da minha oficina) para me entregar a tão esperada ‘caixinha’ repleta de células.

Caixa de 25 baterias CALB CA60FI

Podemos achar que o Jack não pratica o melhor preço, contudo, uma das vantagens das compras feitas a ele é que este normalmente vende o componente com tudo o que é necessário para o ligar, seja cablagem, conetores, etc. e falamos de componentes de boa qualidade, testados e com a certeza que são os adequados. Quando em causa está a compra de baterias, significa que inclui ligadores, parafusos e anilhas. Ok mas isso é o menos, estão vocês estar a pensar. Pois deixem-me dizer-vos que não é bem assim. Estamos a falar de ligadores flexíveis, que minimizam o stress nos terminais das células e que são capazes de lidar com grandes quantidades de corrente, devido a possuírem uma alargada área de contacto. Estes excelentes ligadores, vinham acompanhados de parafusos M6 de cabeça hexagonal e das fantásticas anilhas Nord-Lock (http://www.nord-lock.com/nord-lock/wedge-locking/). Estas anilhas, impedem que ocorram os desapertos típicos que se verificam com o passar do tempo em sistemas sujeitos a vibrações contínuas. Situações de desaperto em ligações de células, não só são responsáveis por maus contactos como podem também provocar danos mais severos, pelo que estas anilhas são uma excelente opção e um descanso acrescido. Deixo-vos aqui um link para um vídeo demonstrativo do funcionamento destas anilhas ‘mágicas’ – https://www.youtube.com/watch?v=IKwWu2w1gGk.

Ligadores flexíveis e anilhas Nord-Lock

Basicamente, esta foi a minha experiência na compra dos componentes para a Morcega. Claro, isto é só o equipamento de “artilharia pesada”, porque as “munições” fui-as comprando aqui e acolá. Utilizei grandes superfícies, comércio tradicional, lojas especializadas, empresas importadoras, marcas da concorrência, oficina do sogro e claro, eBay’s, Dealextreme’s, etc. como manda a lei

Um grande bem-haja a todos vós pela paciência de lerem até ao fim. Voltarei.

 


 

 

Com exceção da oficina do sogro que tantas vezes desenrasca (e bem!), deixo em seguida uma listagem dos estabelecimentos utilizados com a indicação do artigo ou tipos de artigo lá adquiridos por mim. Excluí propositadamente aqueles estabelecimentos que não recomendo, pelo que, garantidamente, se recorrerem algum dia a estes contatos, correm o sério risco de ser bem atendidos e de encontrar o material que procuram.

 

  • Green Factory/MotoXpert (http://greenfactory.motoxpert.pt) – Empresa portuguesa que vende equipamento para a versão CI da Morcega – Jonway City Runner, entre outros modelos de origem chinesa:

-Peças da carenagem, disco de travão, bomba de travão, mesa de direção, peças do conta-quilómetros

 

-Montagem de pneu na jante motor

 

  •  Ranki moto – José Torres – Mecânico conceituado, recomendado por um amigo.

-Reparação bomba de travão – Ranki

 

-Parafusos de disco de travão, fita azul refletora para as jantes

 

-Caixa de direção, carenagem cobertura de guiador

 

-Bateria (de chumbo) auxiliar

 

-Cabos e terminais de cobre

 

-Interruptores, fusíveis, fichas, terminais, ligadores, relés, caixas de plástico, manga termo retrátil, botões/interruptores, led’s,…

 

-Fio, Manga termo retrátil, porta fusível

 

                – Relé dos piscas

 

                – Fio de várias cores

 

-Manga termo retrátil, fio, autocolante, caneta de pintura

 

-Acrílico

 

  • EBay, DealExtreme, Amazon, etc…

-Ferramentas, led’s, corta-corrente, amp meters, voltimetros, relés…

This entry was posted in Conversão, Geral, Morcega, Mota, Projecto, Scooter. Bookmark the permalink.

2 Responses to Uma volta pelo Shopping

  1. Nuno says:

    Very very nice, tudo bem explicadinho e com a áurea literária a que já nos habituaste 😀

  2. Helder Pereira says:

    Excelente, excelente e caso não tenham percebido… excelente!

    😀

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *