Células e Baterias – Parte 3/3

CALB CA60FI cells

CALB CA60FI cells

Portanto, nada de BMS na Morcega. Cruzes canhoto! Quanto muito, um BMS mas com ‘M’ de ‘Monitoring’ e não de ‘Management’. Não há necessidade nenhuma de usar sistemas perigosos para controlar estas células com o intuito de as proteger, quando são estes sistemas, muitas das vezes, os principais responsáveis pela sua destruição. Repito, com consequências muito graves! Como “best practice” no manuseio das LFP, contributo para a sua longevidade e reforço de segurança, deixo duas regras adicionais do Jack Rickard, o guru de que vos falei na segunda parte desta trilogia e que, uma vez mais, podem (e devem) acompanhar em http://www.evtv.me/.

Primeira regra: Antes de colocar a uso um pack num veículo, devemos efetuar um procedimento de inicialização desse mesmo pack. De referir também que todas as células do pack devem ser novas, iguais e do mesmo tipo, pois misturar num pack células já utilizadas, por exemplo, pode causar desbalanceamentos ou outras coisas piores. Este procedimento de inicialização “à la Jack” tem um principio curioso e que todos compreenderão, ou seja, se como vimos anteriormente nem todas as células que saem da fábrica têm o mesmo ‘tamanho’ (leia-se capacidade), todas elas conseguirão ter um referencial mínimo igual, concordam? É como se disséssemos que nas garrafas de 1l de refrigerante, há umas mais cheias que as outras mas todas elas seguramente terão, pelo menos e a título de exemplo, 20cl. Assim sendo, em vez de as irmos equalizar pelo seu valor máximo que, como disse, difere de célula para célula, vamos antes equalizá-las por um valor mínimo. Esta é a técnica do bottom-balancing em contraponto à técnica do top-balancing, preconizada pelos BMS. Existem várias formas de proceder a esta descarga e a este acerto, não vou entrar aqui neste detalhe mas deixo-vos um link para um documento referência nesta matéria http://media3.ev-tv.me/cellcare.pdf (versão traduzida para português http://media3.ev-tv.me/Carecells_portuguese.pdf) – eu avisei no primeiro post da trilogia que ía aconselhar este documento mais do que uma vez. Prosseguindo, uma vez trazidas TODAS as células a este valor mínimo comum, temos a garantia que o pack está certinho, i.e., não há células com mais energia do que outras, pelo que é seguro entregar o pack ao carregador que procederá à carga de todo o conjunto em simultâneo.

Bottom Balacing CALB CA60FI cell

Bottom Balacing CALB CA60FI cell

Bottom Balacing CALB CA60FI cell

Bottom Balacing CALB CA60FI cell

A segunda regra consiste em não utilizar a totalidade de energia de cada célula, ou seja, devemos deixar uma margem de segurança para nos prevenirmos de situações de overcharge e over discharge, isto para além de tornar também os ciclos de carga/descarga menos profundos, situação que a não ser respeitada  pode comprometer a longevidade de uma célula. No meu caso, e com isto em mente, defini uma utilização máxima de 80% da capacidade de cada célula. Vamos lá fazer umas contas.

Estou a utilizar células CALB prismáticas de 60 Amperes – CALB CA60FI. Segundo o fabricante, são células de 3,3V nominais, de tensão máxima de carga 3,60V e cuja tensão mínima de 2,5V não deve ser excedida. Para prevenir a sobrecarga, utilizo no meu pack um carregador configurado para uma tensão de 80,3V, o que, a dividir por 23 células, dá 3,49V por célula. A diferença de energia entre os 3,49V e os 3,60V que seria possível carregar caso fosse ao limite da célula, é mínimo e assim previno qualquer excesso e não causo stress às células.

No que diz respeito à descarga, tenho o controlador a não permitir ir além dos 58V. Se voltarmos às contas, este valor aponta para o mínimo de 2,5V por célula. “Então onde estão os 20% de segurança que ele diz?” Não, não pensem que sou daqueles que diz o que devem fazer mas não faz o que diz. Acontece que, como hei-de explicar noutro post (sim, há-de haver mais se insistirem em continuar a acompanhar-me), tenho um dispositivo que me permite fazer leituras de consumo instantâneo e acumulado e é com as suas indicações que sei se cheguei à minha ‘reserva’ de 20% ou não, uma espécie de computador de bordo. Este tipo de utilização, permite por um lado que o controlador me impeça de estragar o pack, ao mesmo tempo que deixa à minha responsabilidade o uso da utilização da energia em reserva. Se algum dia necessitar dela, ela está lá e até pode desenrascar sem estragar.

Já vos falei da importância de um sistema bem dimensionado que previna os componentes de trabalhar no seu limite, recordam-se? Deixem-me agora introduzir um novo conceito, importante para o correto dimensionamento de uma bateria para um VE.

O termo a reter é ‘C-Rate’, ou simplesmente ‘C’, mede a taxa de descarga (ou de carga) de uma bateria, isto, relativamente à sua capacidade máxima. Uma taxa de descarga de 1C, significa que a bateria é descarregada, na integra, em 1 hora. Por exemplo, uma bateria de 40Ah a descarregar a 1C, está a descarregar a uma corrente de 40A. Se a esta bateria lhe pedirmos uma descarga de 2C, estamos a pedir-lhe uma corrente equivalente a 80A.

A especificação do fabricante das minhas CALB, refere que as células estão aptas para trabalhar a 3C contínuos em descarga, podendo fazer picos de 10C por 10seg., ou seja, o fabricante refere que posso usar as células em contínuo numa utilização até 180A (3 * 60A) e que posso fazer utilizações esporádicas de até 600A máximo. Se puxarmos novamente da calculadora e sabendo que o meu motor no máximo faz 6000W a 70V, temos 6000W/70V=85A, ou seja, mesmo na sua utilização máxima, não estou a exigir das células mais do que 1,5C, o que é um valor bastante aceitável. Podemos aplicar o mesmo raciocínio à informação de carga das células e à especificação do carregador a utilizer.

Afinal, que bateria tem a Morcega?” Como já disse, a Morcega tem uma bateria composta por 23 células CALB CA60FI ligadas em série, perfazendo uma tensão total de 76V quando carregada. Tenho portanto um pack de 4,6kW/h (3,3V tensão nominal de cada célula * 23 células * 60Ah). Destes 4,6kW/h e tendo em conta o critério dos 20% de reserva, tento não utilizar mais do que 3,68kW/h (4,6kW/h * 0,8).

O que falta dizer destas células? Bom, talvez o número de ciclos, o peso… Então, relativamente ao número de ciclos, o fabricante anuncia 2000 ciclos a taxas de descarga de 0,3C, referência para ciclos que não ultrapassem os 80% da capacidade (DOD ou Deep Of Discharge) das células. “O que acontece ao fim destes 2000 ciclos?” As células ficam com a sua capacidade um pouco reduzida, redução essa que pode chegar até aos 20%, segundo dados do fabricante. Sim, as células não deixam de funcionar… Antes de começarem a pensar se 2000 ciclos é bom ou mau, deixem-me adiantar que para a minha utilização diária, 2000 ciclos representam mais de 8 anos e mais de 85K km. Quanto ao peso, cada célula anda em torno dos 2Kg. O meu pack com a cablagem, ligadores, parafusos e anilhas ronda os 50Kg. Se a vossa curiosidade estiver ligada à corrente e quiserem saber mais informação, podem visitar o seguinte link do fabricante: http://en.calb.cn/product/show/?id-628.

Em termos de autonomia, estarão já vocês a tentar perguntar, faço uma média de 5,7kWh / 100km ou, como gosto mais de pensar, 17,5km/kW ou ainda se insistirem 0,7A/Km. Baralhados? Poupando-vos agora os cálculos e a calculadora do chinês, entro em reserva após 65km percorridos numa utilização ‘normal’ na Morcega.

Muito mais haveria aqui a dizer sobre baterias (é verdade, ainda era menino para dizer mais qualquer coisa) mas o essencial, penso eu, estará dito nesta trilogia e mesmo assim perdi pelo caminho 2 leitores, do universo de 2 que teimosamente me acompanham e fazem alguns comentários.

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“Recarreguem-se” pois haveremos de continuar a Conversão da Morcega…

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5 Responses to Células e Baterias – Parte 3/3

  1. Helder says:

    Ora muito bem! Já “avisei” antes que as férias me deram muito tempo “offline” diga-se a meu ver que, muito bem! É assim que devemos descansar, claro que fiz outras coisas que não permitiram isso, descansar 😀 !!!!

    Mais uma vez vou recorrer à história para tecer mais um extrazito sobre baterias, é apenas extrazito porque a tua triologia é de tal forma boa e completa que nem o Sr. do anéis faria melhor neste assunto tão importante num VE!

    Então, relativamente a ciclos de carga/descarga. Segundo alguns testes as CALB’s, e prometo que se voltar a encontrar a info eu posto aqui um update (é de um sr. Inglês que também seguia o Jack), lembro-me de ter passado por info que dizia que após umas valentes centenas de ciclos, as CALB estavam a apresentar muito menos que essa perca estimada de 20%. Nos primeiros 100/500 ciclos até se tinha mais carga!! E neste caso especifico das baterias de produção chinesa, normalmente uma célula de 60Ah trás na realidade 63Ah/65Ah, garantindo assim o chinês que a longevidade será assegurada por muito mais tempo, o que nos leva a perceber que a perca que possa vir a existir ao fim dos tais 2000 ciclos nem chega a 10%. E há que sublinhar SEMPRE muito bem o facto que as células, bateria e por fim a mota ou seja que VE for, não pára de andar por isso acontecer!! Apenas terás menos autonomia ou se preferires e usares a tua técnica, diminui a “reserva” 😉

    De resto, excelente como sempre!

    • Sergio says:

      O tal inglês que falas é o John Hardy, que até escreveu o livro Ice Free. Cheguei a citar este livro num post meu anterior. John foi o individuo que efectuou esses testes, aliás, uma ‘bateria’ exaustiva de testes com inúmeros gráficos e que o Jack Rickard incluiu nos seus vídeos periódicos.

  2. Nuno says:

    Ena ena, se é para ser assim de mui agradável leitura então diga lá mais as “qualquer coisa” que quiser :), aqui deste lado há sempre leitores prontos a absorver.
    Ainda vais falar desses aparelhinhos que tens aí nas fotos e tão habilmente escondeste do texto :)? É uma ideia interessante essa de manter o corte do controlador no mínimo e usar o contador de coulomb para aferir o SoC; mas também dependes das células realmente não desbalancearem, porque caso contrário se um dia chegares ao mínimo de tensão do pack, podes ter alguma célula abaixo do mínimo. Por isso a minha aposta sempre foi na monitorização constante individual das células (e apenas monitorização). Pena que esses contadores não são peças “abertas”, que aí podias implementar uns gráficos pi-pis ou uns simples avisos a certos SoC.
    Aguardo :)…

    • Sergio says:

      Querem ver que a pressão dos meus leitores me vai obrigar a falar ainda mais qualquer coisa sobre o tema? Por acaso esses aparelhinhos que falas eram cartas fora do baralho mas… acho que me acabaste de dar uma ideia.
      Quanto às células não desbalancearem, é isso que estou prestes a confirmar e a dizer-vos dentro em breve, agora que voltei a abrir a Morcega para umas pequenas intervenções, mas a confiar na experiência do Jack Rickard, será isso mesmo que vou constatar nas CALB. talvez junte estes dados aos tais aparelhinhos e fale um bocadinho melhor da razão dos utilizar. Tenho ideia que tu queres é que eu arraste esta saga da Conversão da Morcega para conseguires acabar a Aprilia primeiro…
      Sim, confesso que também gostava de ter um cycle analyst que me pudesse monitorizar as células em tempo real e dar dados estatísticos. Primeiro, os aparelhos que em tempos andei a analisar não cobriam o número de células do meu pack (podia trabalhá-las em grupos de 2 por exemplo mas perdia um bocado o sentido real da minha monitorização) e depois verifiquei que havia um problema com a própria leitura da informação das células pois descobriu-se que era ela própria a responsável pelos desbalanceamentos e aí abandonei a ideia porque não queria nada ligado ao meu pack que pudesse ter esse efeito, mas sim, tal como digo no post, ‘M’ de Monitoring. O que referes da implementação de gráficos, etc., baseados neste tipo de aparelho de monitorização, dava um belo projeto, sem dúvida. Algum dos leitores se quer chegar à frente? Ofereço a Morcega para cobaia e eu para tester… 😉

      “Aguardo :)…”

      • Helder says:

        Epá! Tou curioso de ver se alguém se chega à frente a esse teu desafio 😀

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