Um VE? Cruzes canhoto! …Isso é grave?

De certeza que já todos sabem o que é um VE, certo? Isto é só para tomar o pulso ao conhecimento dos meus leitores, pois, não sou pretensioso ao ponto de quer ensinar o pai-nosso ao vigário nem evangelizar os mais ateístas. Claro, é isso mesmo, um VE é um Veículo Estranho, pelo menos para a maioria das pessoas. Ainda assim, há aquela fação de inquiridos que já ouviu falar de VE e que tudo sabe sobre eles, como o facto de serem veículos que só servem para ir ao pão e ainda assim são tão lentos que este chega frio a casa. Sim, os mesmos que do alto da sua sabedoria, dizem que não gostam apenas porque se estiver a chover têm de comer os cereais, uma vez que não podem andar com o veículo à chuva para ir buscar o pão. Os mesmos também, a quem se por acaso lhes pedirmos um ponto de carga para desenrascar, fazem uma cara feia porque não compreendem que há pacotes de pastilhas mais caras no quiosque do que o preço da energia que estão a ceder. É para estas pessoas e também para as outras que têm ideia do que é um VE mas têm também a curiosidade em perceber o que está por detrás desta tecnologia, que escrevo este post. Se és um guru da cena, não leias isto e se leres, não venhas bater muito no ceguinho depois, ok?

Antes de prosseguir, um disclaimer ou uma desresponsabilização dito em bom português, do autor deste e dos posts seguintes que já não irás querer ler mais depois de terminares este. Não é minha intenção fazer do MaE e concretamente dos meus posts, uma espécie de guia espiritual para o nirvana, até porque não revejo qualquer capacidade em mim para tal. Ainda assim, tomo a liberdade de partilhar e de expor alguma da temática com que tive de lidar durante a conversão da Morcega. Assim sendo, se tiveres por ideia converter a tua sogra ou achares que a cadeira onde se senta o teu chefe ficava bem era eletrificada, isto só porque andaste a ler umas coisas nos meus posts, então fica consciente de que tens todo o meu apoio mas que eu não tenho nada a ver com isso, ok? Ah e lembra-te sempre que a energia pode ser inócua mas também pode ser letal. Tudo depende da lei do alemão, não, não é o Alzheimer é mesmo da Lei de Ohm: P = V * I. Se não entenderes bem esta equação, sugiro antes que compres o Borda d’Água e te dediques à apanha da azeitona. Se a entendes, então toma todos os cuidados para não ires é Borda’Fora!

Posto isto, estás por tua conta e risco. Se insistires em continuar a ler estas linhas, só tens de aceitar a seguinte condição…

(_) – Li, aceito, assino, concordo, subscrevo e prometo não atirar pedras nem objetos pontiagudos ao autor destes posts, caso assuma para minha auto flagelação fazer o mesmo que ele, seguindo os seus passos e obtendo ainda menos sucesso que o próprio.

Prosseguindo então. No que a este projeto diz respeito, eu não precisei aguardar pelo fim do tratamento do chassis para avançar. (Lembram-se do post anterior Bad to the Bone, não se lembram?) Aliás, desde que decidi avançar com a conversão, que identifiquei de imediato uma série de frentes em que podia ir trabalhando. Uma delas era simplesmente a ‘pesquisa’. É verdade, este é um projeto cheio dela. Pesquisa de componentes, de soluções, de preços, de como fazer, de socorro e até de remedeios! Pesquisa-se basicamente tudo o que mexe e em todo o lado, seja em fóruns, na web, livros, amigos, artigos, oficinas, amigos, amigos, amigos, blogs… ah… e nos amigos também, não sei se já tinha mencionado.

Mas afinal o que é um VE? Nem tudo o que tem um motor elétrico e mexe é um VE, ok? Pelo menos gostava de excluir as varinhas mágicas deste leque de candidatos. A minha primeira pesquisa teve naturalmente a ver com a escolha dos principais componentes de um veículo elétrico: motor, controlador, carregador, conversor DC/DC e bateria. Aliás, um veículo elétrico não é mais do que isto. Um motor que faz o veículo mover-se, um controlador que é o cérebro do sistema e que, entre outras coisas, controla (fantástico, hein?) e disponibiliza ao motor a energia solicitada pelo condutor a cada momento, a bateria onde naturalmente reside a energia necessária à operação do veículo, um conversor DC/DC que alimenta o sistema elétrico de baixa tensão como luzes, buzina, piscas, etc… e claro, um carregador que permita repor na bateria toda energia consumida, a partir de uma fonte externa. Não é preciso mais do que isto…e quem vos disser o contrário está a mentir! Calma, porque ainda têm de juntar a isto umas rodas, uns amortecedores, um gato chinês a acenar com a cabeça e mais umas coisas que abordarei mais tarde, mas é SÓ isto, tudo junto e em duas palavras: “sim plicidade”!

Todos nós, uns melhor e outros pior, já temos as nossas opiniões formadas sobre os veículos movidos a energia elétrica, por vezes também designados de BEV (Battery Electric Vehicles) por possuírem as suas próprias baterias, ao contrário de outros, como por exemplo, o antigo elétrico 12 da Carris na linda cidade de Lisboa e que se socorria da energia que os seus pantógrafos conectados às linhas de alta tensão fornececiam. Mesmo que não percebamos nada disto, temos sempre de ter ainda assim uma opinião de tudo, ou não fossemos nós Tugas, certo?

Elétrico de Lisboa

Elétrico de Lisboa

BEV - Battery Electric Vehicle

BEV – Battery Electric Vehicle

É talvez no coração de um VE, que reside a maior diferença para um ICE (Internal Combustion Engine) ou CI (Combustão Interna), como prefiro denominar os charutos das nossas estradas. Para uma potência idêntica, o motor elétrico é menor, mais leve, tem menos partes móveis, tem um funcionamento muito mais suave e requer de longe menos manutenção. Os motores elétricos não necessitam de um motor de arranque, nem de sistemas de injeção ou tubos de escape para expelir o que não queimam. São extremamente eficientes e como tal não produzem tanto calor quanto um motor CI, por mais moderno e eficiente que este seja. Sim, mesmo comparando com aqueles cujos fabricantes destorcem os valores para cumprir as normas europeias! Já para não falar da disponibilidade do torque máximo desde (quase) o momento zero, não havendo assim necessidade de subir de rotação para atingir o binário máximo, o que faz também com que nunca sejamos apanhados com uma mudança errada engrenada, até porque caixa de velocidades é outra coisa que muitos VE nem possuem. Claro que há muito mais coisas a distinguir um VE de um CI mas não é essa a cenoura que me motiva a escrever-vos estes testamentos. Não pensem também que vos estou a impingir a ideia de que os VE são os melhores veículos do universo e arredores (essa conclusão fica para vocês mesmo), porque não são, esse prémio vai, claro está, para a bicicleta! Já vos tinha dito (hoje) que a bicicleta é SÓ a melhor invenção do Homem?

Motor CI vs Motor VE

Motor CI vs Motor VE

Outro aspeto diferenciador, tem a ver com as famigeradas emissões poluentes dos veículos. Como sabem, um VE durante a sua utilização não emite gases nocivos à saúde, situação que contrasta com o funcionamento de um CI que emite CO2 ao queimar a ‘gota’ necessária para gerar movimento. Um pouco atrás, agora. Eu não disse que um VE estava totalmente isento de emissões de CO2, disse sim que durante o seu funcionamento não são emitidos estes gases. Aliás, se há veículo completamente isento de CO2 é a bicicleta. (Já vos tinha dito?) O que eu refiro, é que o CO2 que normalmente é relacionado com o VE, tem a ver simplesmente com a origem e produção da energia elétrica que este utiliza para o carregamento da sua bateria. Como sabem, a produção elétrica pode ter proveniências que vão deste o carvão à energia solar, i.e., desde uma matéria-prima poluente até uma completamente clean. Se olharmos para a nossa fatura da luz com atenção, podemos verificar a origem da energia que consumimos nas nossas casas mas seja como for, o CO2 envolvido na energia utilizada no nosso VE é em muitíssimo menor quantidade do que o CO2 que está relacionado com um qualquer CI. Há aqui um outro dado importante que muitas vezes é descurado propositadamente pelos defensores da ‘gota’, que é o facto de o combustível que encontramos no posto de abastecimento, só pelo facto de ali estar disponível para nós na ponta da mangueira, já implicou muito desperdício e muito CO2 emitido para a atmosfera na sua extração, refinação e transporte até ali, ou pensavam que ‘nascia’ ali mesmo por debaixo da bomba?

Se a telepatia está a funcionar, consigo ler nas mentes mais intrincadas a apetência de alguns para retorquir agora sobre o tema das baterias, a composição dos seus materiais, a sua longevidade e reciclagem em fim de vida, etc. Talvez satisfaça alguma da vossa curiosidade num post dedicado a esse tema mas por agora, ficam com a ideia de que a bateria é, e continua a ser atualmente, o bottleneck responsável pela adoção e massificação deste tipo de veículos mais sustentáveis. Ainda assim, este é nos dias de hoje o único aspeto que pode condicionar ou limitar a substituição de um CI por um VE, já que em termos de performance o CI já ficou lá atrás há muitos anos. Eu disse pode, ok? Não disse que condiciona ou limita, isto porque o problema não está nas baterias atuais, está noutro fator que falarei uns posts à frente. Isto, se eu sobreviver entretanto aos vossos ataques.

Antes de ir para dentro, até porque hoje parece estar a formar-se nos IP’s de onde me escutam uma espécie de tempestade elétrica capaz desta ser dirigida a mim, gostava de partilhar convosco algumas curiosidades. Esqueçam lá aquela outra do Bonno ter sido eleito (a???) mulher do ano, ok? Não tem nada a ver…

A moda às vezes puxa ao nosso tempo situações comuns no passado. Felizmente algumas não parecem ser passageiras, como é o caso da temática destes nossos posts. Ao contrário do que possa parecer, os VE não são uma novidade. É verdade! Recordo-me perfeitamente… Nos finais do século XIX, a maior parte dos veículos automóveis eram elétricos. Eram conhecidos por “carruagens sem cavalos”. Comparativamente com os motores a combustão e a vapor da altura, os motores elétricos eram mais limpos, fiáveis, não custavam a arrancar, eram relativamente potentes e até a autonomia não era problema porque não existiam estradas, sendo também as deslocações pequenas e sempre dentro das cidades. Ferdinand Porsche diz-vos alguma coisa?

Ferdinand Porsche

Ferdinand Porsche

É bom que não diga porque este génio já está a fazer tijolo e seria mau sinal se vocês o conseguissem ouvir, mas posso dizer-vos que a marca dos automóveis desportivos que nasceu do seu apelido, nasceu precisamente com a criação de carros elétricos. Segurem o vosso queixo, p.f. Assim que a evolução mecânica permitiu baixar o preço do motor de combustão e a construção/expansão das estradas se deu, vieram ao de cima as desvantagens dos veículos elétricos, curiosamente aquelas mesmas que ainda hoje se dizem ser uma limitação – autonomia e rede de carregamento. E assim ficaram estes veículos “a carregar” por quase um século, até aos dias de hoje…

Sec XIX - Charging station

Sec XIX – Charging station

Chega de curiosidades, até porque a curiosidade matou o gato e eu não gosto de fazer mal aos animais.

 

Bibliografia utilizada neste post:

Carros Elétricos, Jorge Martins e Francisco Brito, Publindústria

Ice Free, John Hardy, Tovey Books

Moi-Même!!

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4 Responses to Um VE? Cruzes canhoto! …Isso é grave?

  1. Nuno says:

    Mais um de escrita irrepreensível (a palavra até custou a sair!), parabéns 🙂 O teu lado humorístico subtil continua a espantar-me pela positiva. E fica descansado que não vou atirar-te com nada, pelo menos desta vez (muito menos com um par de células Thundersky de 60Ah que pesam bem e têm cantos bastante aguçados… querias 😛 🙂 ). Só para te picar… a bicicleta também emite CO2, pois ela não anda sozinha 😀 . “Keep them coming”, como dizem os franceses 🙂

    • Sérgio says:

      Nuno, deves estar mas é a guardar essas células para quando eu me embrenhar na parte dos circuitos as poderes atirar mas não estou muito preocupado… tens essas amarelinhas há tanto tempo, tanto tempo, que com a sua auto-descarga já devem estar ‘shorted’ e como tal nem devem aleijar… Quanto à provocação da bicicleta, é um facto que o seu condutor emite CO2 mas não te preocupes muito… pior era se fosse metano… 😉

  2. Helder says:

    Mais um “simples” post, mas que desmascara situações que infelizmente são realidade pela desinformação das pessoas em geral e a continuada campanha dos media em manter a situação. Assim sendo é excelente a informação que acabaste de passar. E ainda para mais da forma genial que tens adoptado a tua escrita a mensagem passa muito bem. Muito bem mesmo.

    Só um pormenor que acho que podes estar a “enganar” quem ler.
    A gasolina não nasce ali nos depósitos debaixo das bombas, ela nasce numas árvores perto, onde depois cai de podre, infiltra no chão e aí sim, passa para os depósitos das bombas de gasolina. Ou seja um processo 100% natural e livre de emissão de CO2.
    Tal é assim que onde existem bombas de gasolina há sempre árvores perto 😉
    É essa a razão de a produção de gasolina, ao contrário da produção da energia eléctrica, nunca ser falada nas discussões em que puxam o assunto, mas só do lado da geração da eletricidade, que como bem dizes, pode ser 100% livre de CO2… Aqui se vê a falta do rigor dos media quando falam disto…

    Excelente, simplesmente excelente, como, de resto, nos tens estado a habituar.

    • Sérgio says:

      Obrigado Hélder pelas tuas sábias palavras que nos vieram ajudar a compreender como de facto aquele fruto negro que cai da árvore se transforma, num processo todo ele natural, naquele líquido que utilizamos a troco de uns míseros euros e que assim ajudamos a prosperar toda uma economia local de agricultura biológica. Obrigado também pelas tuas amáveis palavras para com o escritor destes posts. Vamos ver como ele se sai nos próximos…

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