O cérebro de tudo isto

Tudo tem de ter um cérebro. Como? Não, isso é mentira, mesmo esses têm um cérebro. É sempre preciso um cérebro para comandar qualquer coisa, agora, ele pode é não ser grande espingarda mais isso é outra história. O cérebro de que vos falo é o cérebro de um VE, o controlador, uma espécie de centralina dos CI. O controlador de um VE, é responsável por assegurar o funcionamento do motor e outras funcionalidades disponíveis ao condutor, como a travagem regenerativa ou o funcionamento da marcha atrás, por exemplo. Vamos a ele.

Ok, temos um motor, seja ele de que tipo for. Temos uma bateria, tenha ela as caraterísticas que tiver. E agora, o que fazemos? Sim, podemos ligar a bateria diretamente ao motor mas talvez não seja muito boa ideia. Dependendo do tipo de motor em causa, pode até não acontecer nada mas pode também começar a rodar… e logo na sua máxima rotação! Para além de perigoso, não seria muito útil numa utilização normal, a menos que se esteja a treinar para uma drag race. Acertaram, é preciso algo que permita comandar o motor e para isso temos o nosso acelerador. Perfeito! Estamos lá quase mas… ligo o acelerador à bateria ou ao motor? Agora tenho esta dúvida…

Não é à toa que dizemos que o controlador é o cérebro do VE. Ele funciona como uma espécie de hub de alguns dispositivos e tem a inteligência suficiente para os controlar. Exatamente, daí o seu nome… Vejamos, depois de se ligar o motor ao controlador, liga-se agora a bateria também ao controlador. Em seguida liga-se um acelerador. Onde? Ao controlador, pois então! Deixa-se a marinar um pouco e se tudo estiver bem ligado, o controlador será capaz de retirar da bateria para entregar ao motor, o ‘sumo’ que o condutor solicitou por intermédio da ação sobre o acelerador. Estão a ver o quão útil este elemento é num VE? Ainda não viram foi nada.

Controlador - O cérebro do V.E.

Controlador – O cérebro do V.E.

Então se falarmos da travagem regenerativa, estamos a elevar o Q.I. do nosso cérebro elétrico. No post anterior sobre os motores-de-roda, falei-vos resumidamente da capacidade de um motor poder funcionar ele próprio como gerador de corrente, lembram-se? Também vos disse nessa altura, que para tirar proveito desse gerador seria necessário que o controlador tivesse a capacidade de lidar e saber o que fazer com essa energia. Os controladores que têm esta capacidade, funcionam com energia a fluir nos dois sentidos, i.e., a sair da bateria para o motor numa utilização normal e a sair do motor para a bateria em modo regeneração ou recuperação. Dependendo do controlador em causa, poderão existir várias parametrizações possíveis relacionadas com esta caraterística, contudo, todas elas têm em comum a capacidade de travar ou desacelerar o motor (sem recurso aos travões do veículo, claro) e de recuperar ao mesmo tempo alguma energia para a bateria, fruto dessa desaceleração.

No campo da eletrónica, a versatilidade com que é possível implementar funcionalidades e permitir customizações das mesmas, é enorme. Um exemplo do controlo sobre a função regenerativa que pode ser configurável pelo utilizador, é este poder indicar o nível (escala ou percentagem máxima) de regeneração pretendida quando:

– deixa de acelerar;

– aciona o travão;

– explicitamente por intermédio de um botão solicita que ocorra a regeneração.

E ainda podemos ter uma flexibilidade total sobre esta função, ao permitir que ela possa ser progressiva na utilização, i.e., por intermédio de um qualquer potenciómetro podemos a nosso belo prazer definir o quanto queremos de regeneração mediante a circunstância. Para exemplificar, posso-vos falar da minha utilização. Eu configurei o meu controlador, para este funcionar com uma regenerativa progressiva e como potenciómetro instalei… um punho acelerador do lado esquerdo do guiador. Sim, estão a pensar bem, desse lado um punho acelerador funciona ao contrário, ‘enrola’ para a frente, ou ‘desenrola’ melhor dizendo. Era mesmo isso que eu pretendia. Ao instalá-lo desta maneira e ao indicar ao controlador esse punho como o potenciómetro da regenerativa, consigo acionar a travagem regenerativa acionando simplesmente esse punho e, quanto mais o enrolar, maior o efeito da travagem e mais energia o sistema recupera. Como já disse noutro post, para mim a grande vantagem da regenerativa não é tanto a energia recuperada mas a suavidade e segurança que esta confere à condução, pois eu consigo desacelerar sem usar (gastar) travão e sem correr o risco de bloqueios inesperados da roda. Ah e ainda consigo definir que percentagem máxima de regeneração obtenho quando o punho está todo enrolado e com que percentagem inicio quando começo a acionar o punho. Se fizermos uma condução suave, conseguimos fazer toda a viagem quase exclusivamente com este modo. Claro, os travões estão lá sempre disponíveis para as travagens mais inesperadas.

 Foi apenas um exemplo do que um controlador permite. Outro? Ok, por exemplo a marcha atrás. Não é algo fundamental numa scooter mas pode dar jeito, especialmente em determinados planos mais ou menos inclinados. Para implementar a marcha atrás, tive somente de ver o circuito de ligação desta funcionalidade no controlador e instalar um botão no painel que a pudesse acionar. Em seguida, ativei e parametrizei a funcionalidade no controlador. Sim, não vamos querer andar para trás à mesma velocidade com que se anda para a frente, certo? Define-se assim no controlador, o andamento ou o regime do motor em ‘reverse’.

São apenas alguns exemplos, a ideia é perceberem a importância deste ‘cérebro’ e quanto mais inteligente ele for, melhor será a experiência da condução também.

E como é que se configuram os neurónios deste cérebro? Simples, a maioria dos controladores permitem conexões ao computador, uns por cabo outros wireless. O meu controlador permite estabelecer a comunicação via porta série RS-232 a um PC. É verdade, não há já muitos computadores atualmente com este interface mas podemos sempre utilizar um conversor USB-RS232. Uma vez ligado ao computador, um aplicativo no PC permite o ajuste de diversos parâmetros, agora, recomendo prudência e consciência das alterações que efetua, pois elas têm efeito REAL sobre o equipamento e respetiva utilização do veículo. Em caso de dúvida, ajuste um parâmetro de cada vez e ajuste-o com variações mínimas. Resista, por exemplo, a passar algo que está ativo num valor mínimo para algo ativo num valor máxima.

 ‘Tentativa e erro’, foi um método a que recorri também na fase de configuração do controlador. Muitas foram as vezes que ligava o controlador ao computador para fazer um ajuste e saía em seguida para testar a alteração. Depois, voltava a entrar na garagem e voltava a ligar para novo ajuste, saindo novamente em seguida. Não caia na tentação de alterar simultaneamente 2 parâmetros que tenhas dúvida, senão vai acontecer-lhe o mesmo que a mim, ou seja, não sabe depois qual foi o que contribuiu para o resultado verificado.

Outro aspeto que aconselho a vossa melhor atenção é o aspeto da refrigeração do controlador. Os controladores são componentes elétricos/eletrónicos por onde passa muita corrente e onde se gera alguma temperatura. Como qualquer componente com estas caraterísticas, a sua durabilidade e fiabilidade está relacionada com a sua temperatura de funcionamento, pelo que devemos ter muita atenção ao local onde o montamos e às condições que permitam a sua refrigeração. O próprio sistema tem a capacidade de limitar as suas funcionalidades (basicamente a corrente que endereça ao motor), por forma a evitar danos nos seus componentes. O meu controlador, por exemplo, diz que a partir dos 50ºC sentidos na sua carcaça começa a limitar a potência e… confirmo isto em absoluto.

Não é o caso do meu equipamento mas é vulgar vermos controladores refrigerados a líquidos, especialmente os de maior capacidade. A passagem de líquido por uma superfície quente, é bastante mais eficaz na remoção de calor do que as tradicionais ventoinhas. Infelizmente, não disponho desta opção no meu sistema e tive de inventar um pouco. Num outro capítulo desta electro novela, falar-vos-ei da minha experiência, inicialmente negativa, nesta matéria.

É também importante ter em atenção, a utilização de um controlador bem dimensionado para o motor em causa. O mesmo se aplica a outros componentes, como a bateria por exemplo. Na verdade, é importante que todo o sistema esteja equilibrado para que nenhum elemento seja obrigado a operar constantemente no seu limite, situação que causa stress desnecessário nos seus componentes. Oversize ou sobredimensionamento é uma boa regra a seguir. Se temos um motor de 6kW e queremos tirar partido dele, então pensamos num controlador com capacidade para 8kW e optamos antes por estrangular este um pouco. Assim, o controlador de 8kW pode trabalhar a 6kW sem estar no seu máximo. O mesmo raciocínio para a bateria e demais componentes. Esta é uma regra de ouro pela qual me rejo. Quando se tem pouca experiência como é o meu caso, esta regra assume uma importância acrescida pois protege-nos de alguns excessos, o que nos deixa margem de manobra e segurança.

Para cérebro da Morcega escolhi um controlador Kelly, modelo KEB72801X. Entre muitas das suas caraterísticas podemos encontrar algumas que aqui foram ditas como a travagem regenerativa, marcha atrás, ligação ao PC, entre outras. É um controlador de 8kW, capaz de operar com tensão entre 24V e 72V e produzir cerca de 350A máximo. Mais informação pode ser consultada aqui Kelly Controller KEB72801X.

O controlador desempenha, como vimos, um papel fundamental no seio de um VE. Fatores que vão desde a sua escolha até ao mais simples dos seus parâmetros, contribuem de uma forma decisiva para a experiência de condução.

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2 Responses to O cérebro de tudo isto

  1. Helder says:

    Ha pois, cérebro. Bem dito, porque só um veiculo tão inteligente a transformar energia em movimento pode ter um cérebro 🙂
    Excelente escrita como sempre.
    Venham mais!

  2. Nuno says:

    É isso, um cérebrozinho que está ao comando de outro cérebro maior, no teu caso em particular, bem maior 🙂 Thumbs up por mais um bom artigo a enriquecer aqui o nosso MaE 🙂

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